A relação entre a escrita teórica e a escrita coreográfica (Brandstetter), e o conhecimento do campo coreográfico e performático estruturando uma produção intelectual (Foster) –, iremos expor o nosso trabalho prático e teórico realizado ao longo de um ano no espaço Caracol (FAU-USP, 2019), como inserido e em conversa com as referidas práticas no campo expandido da coreografia. O enquadramento das práticas interdisciplinares uniu a coreografia e a arquitetura – e, também, a arquitetura como coreografia, considerando que nossa interferência no espaço elipsoidal do Caracol, ao pintarmos as paredes de preto, se transformou numa grande “lousa” onde notações foram desenhadas pelo Prof. Arthur Hunold Lara em tempo real –, o desenho, a notação, e seminários teóricos e práticos (os conteúdos teóricos foram vivenciados no corpo). Os conteúdos das aulas versaram sobre o Minimalismo na dança, na coreografia e nas artes visuais, apontando, assim, para um estilo de escrita coreográfica. 
LOCUS DE TRISHA BROWN
Foi a partitura de “Locus” o nosso ponto de partida das primeiras aulas no “Caracol” (FAU-USP). Primeiro aprenderam-se os movimentos originais da coreografia – os quais foram corporificados pela pesquisadora a partir de vídeos, da partitura/score da Trisha Brown, dos textos escritos sobre esse trabalho –, tornando-se eles um “aquecimento” como primeira parte das aulas. A prática corporal é estruturada na teoria sobre esse trabalho de Brown que acabamos de expor acima, de modo que trabalhamos com a hipótese de que a escrita sobre os gestos e os movimentos (teoria) e a escrita do corpo (prática) é uma metodologia de trabalho que poderá ser aplicada nos estudos da performance ou na teoria da performance.
O reconhecimento do trabalho de Brown pela crítica, como coreógrafa minimalista, chegou com Locus (1975), o apogeu de suas explorações sobre abstração, serialidade e sistematicidade. As partituras de dança operam como desenhos fabricados, para produzir um trabalho em uma outra mídia (a dança) realizando um modelo comum ao uso do desenho de Donald Judd e Dan Flavin, e das práticas de Sol Le Witt e outros artistas conceituais , cujas interpretações gráficas e textuais são instruções para a realização de uma obra de arte.

Locus adota um formato difundido na arte dos anos 1960 e 1970: o cubo. Favorito de inúmeros escultores, ele aparece em obras de arte cujas operações mapeiam e incorporam, nelas mesmas, o espaço do fazer da arte e o da apresentação: Wall/Floor Piece, de Sol Lewitt (1966); Dance or Excercise on the Perimeter of a Square (1967-1968), de Bruce Nauman; e Measurement Room, de Bochner (1969).
Brown usou as partituras para gerar o movimento, que está contido no cubo e que é marcado por pontos de números alfanuméricos, abrindo-se, desse modo, novos métodos para a invenção do movimento, em que a partitura produz o movimento como seu próprio efeito. Seus procedimentos codificam informações impessoais e autobiográficas numa estrutura geométrica, uma instância da atividade estruturalista, como discutido no artigo de Rosalind Krauss sobre o papel do “grid”/“grade” na história do Modernismo: a espacialização e a supressão da narrativa através da sua forma abstrata.
DESENHOS ARTHUR LARA
ESCRITURA COREOGRÁFICA JÚLIA ABS
TRIO A DE YVONNE RAINER
Iniciamos no dia 18 de março (2019) os “Laboratórios de Coreografia na FAU”, e nas seis primeiras semanas tomamos a obra coreográfica “Trio A, de Yvonne Rainer, como referência para as investigações de movimentos, gestos e composição coreográfica da estética minimalista. Tratando-se de uma obra que foi um divisor de águas na história da dançaaproxima-se o gesto disruptivo de Rainer daquele de Duchamp com seus ready-mades, acreditamos que essa linhagem da dança pós-moderna é uma tradição a ser pensada em projetos curatoriais para as linguagens da dança e da coreografia em museus. O registro visual que usamos para reconstruir Trio A foi[...] a filmed reconstruction organized by Sally Banes and danced by Yvonne Rainer in 1978” (WOOD, 2007). Tratou-se de “ativar” o arquivo desse vídeo. ​​​​​​​
OBJETOS | DANÇAS
A obra de Rainer se enquadraria na tendência minimalista do conceito e da obra não material. Quando ela relaciona suas danças com esculturas minimalistas, comparando, por exemplo, a qualidade de “energia contínua” e os “movimentos achados” com a noção de “objetos fabricados” postulada pelos artistas minimalistas, ou ao definir as ações dramáticas como “tarefas” ou “atividade como tarefa”, isso está relacionado com a “literalidade”. Rainer considerou o corpo como um objeto, e descrevia as suas danças como “trabalho”, “[...] elas eram, ela disse, ‘não flexionadas’, ‘ordinárias’ e ‘cotidianas’. Além disso, ela descrevia os grupos de dançarinos movendo-se da direita para a esquerda do palco como ‘colunas’” (RAINNER, 1974,[1] apud. WOOD, 2007, p. 16, tradução nossa).​​​​​​​
[1] RAINER, Y. Work 1961-73. Nova York: New York University Press, 1974.

DEZ

Back to Top