
DANÇA E COREOGRAFIA NO MUSEU
O projeto-piloto DANÇA NO MAC foi parte da minha metodologia de pesquisa sobre a dança e a coreografia no museu, no período de pós-graduação na Universidade de São Paulo (2019-2024).
Quando eu iniciei essa pesquisa, a pergunta que provocava a inquietação sobre o fenômeno recente da “Dança no Museu” era simplesmente esta: por que a dança e a coreografia estão presentes, de modo cada vez mais crescente, em museus ao redor do mundo? Uma boa parte do processo da minha pesquisa carrega alguns anos de informalidade acadêmica, mas de práticas artísticas, e de deambulações, haja vista que esse objeto se fez presente à minha sensibilidade em 2011, quando muitos importantes coreógrafos passaram a se apresentar nos principais museus do mundo, além de muitas outras andanças, acasos, trabalhos realizados, e outras tantas coincidências que mantiveram o objeto vivo e interrogativo.
Em Middelburg (2016) o meu encontro foi, por “acaso”, com Simone Forti. Passeando na praça central da pequena cidade no sul da Holanda (Zeeland), vi uma folha A4 que informava “Simone Forti – “Illuminations”, today!”, e descobri ter tropeçado num grande evento que envolvia o objeto da minha inquietação. O centro de arte contemporânea Vleeshal realizava uma exposição solo da artista, coreógrafa e dançarina. A legendária série de Forti, “Dance Constructions”, foi interpretada por um jovem grupo de dançarinos no espaço Vleeshal Market, o edifício de arquitetura gótica e antiga prefeitura da cidade. Nesse espaço, feito de ogivas e de vitrais transparentes, assisti à reencenação de “Illuminations” (1971- present) – fruto da longa parceria entre Simone Forti e o compositor minimalista Charlemagne Palestine –, pelo qual levitei de meu assento, tamanha a beleza sentida ao presenciar o corpo de 80 anos de Forti, desenhando com seus movimentos “oitos” no chão, imprimindo no espaço símbolos do infinito com os gestos das suas mãos. Um corpo velho dançando, com sua qualidade vital própria – suas mãos tremiam em função da síndrome de Parkinson, e paravam de tremer quando o movimento começava – um corpo que preencheu aquele espaço de intenções, de pensamentos, de processos cognitivos, de percepções cuja poética está alicerçada numa série de desenhos que envolvem sete círculos nos quais estão inscritos números arábicos, e que funcionam como um score da performance.
O principal objetivo dessa pesquisa foi realizar uma experimentação com a dança e a coreografia no Museu de Arte Contemporânea, no escopo do movimento “Dança no Museu”, que retomam as práticas artísticas com o corpo e as vanguardas nesse museu. A primeira experiência com o projeto piloto aconteceu em dezembro de 2019. A idealização do projeto e a curadoria são de minha autoria.
DANÇA NO MAC é um projeto piloto que explora o movimento estético da dança e da coreografia sendo exibidos para o público em grandes museus ao redor do mundo na última década (Estados Unidos da América, França, Alemanha, Espanha, Inglaterra, Brasil, entre outros), e que se coloca em conversa com alguns desses contextos transnacionais – artísticos e acadêmicos – sobre esse objeto. Trata-se da exibição da dança e da coreografia não como evento (espetáculo), mas como medium, objeto, substância, enfim, como trabalho de arte em exposição no museu.
Com o projeto-piloto “DANÇA NO MAC” eu proponho ativar projetos de pesquisas nas linguagens da coreografia, da dança e da performance no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP). Eu sou a idealizadora e a curadora da primeira versão DANÇA NO MAC 1#.
A dança e a coreografia atuais são entendidas como linguagens autônomas, que vivem hoje, no contexto de grandes museus (nos EUA, França, Espanha, Inglaterra, Brasil, entre outros) a aquisição de seu status como arte contemporânea. Assim, eu almejo aproximar esse fenômeno do MAC-USP.
Nos últimos dez anos, é notável a presença de apresentações de dança e exposições de coreografia em museus importantes ao redor do globo: Centre Georges Pompidou (Paris), MoMA PS1 (Nova York), ICA Boston (Boston), Tate Modern (Londres), Hayward Gallery (Londres), Whitney Museum (Nova York) e Museu de Arte do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro), são alguns exemplos. A discussão atual sobre a dança no museu tem sido feita por teóricos das áreas da dança, coreografia, performance, time-based arts e história da arte, como André Lepecki (Brasil), Boris Charmatz (França), Xavier Le Roy (França), Bojana Cvejic (Sérvia), Marcella Lista (França) e Claire Bishop (Inglaterra), entre outros.
A dança no museu redefine a noção de visualidade no campo das artes visuais, de modo que os visitantes do MAC-USP poderão ter novas experiências através da concepção de um museu aberto às propostas não pictóricas e esculturais, mas que trazem elementos do tempo, do espaço e do movimento. O museu, por sua vez, torna possível para a dança imaginar um espaço público que potencialmente permite novos formatos de exibição, de conservação de obras, de produção e compartilhamento do conhecimento sobre o corpo da dança e das pesquisas com a coreografia.
A conversa entre a dança, a coreografia e o museu, torna-se o lugar onde a expansão dessas linguagens pode ser conquistada, através de deslocamentos de práticas e de significados. Esses projetos expressam um reinvestimento no espaço do museu como espaço experimental.
*English bellow
DANCE AND CHOREOGRAPHY IN THE MUSEUM
The pilot project DANÇA NO MAC was part of my research methodology on dance and choreography in the museum context, developed during my graduate studies at the University of São Paulo (2019–2024).
When I began this research, the question that sparked my curiosity about the recent phenomenon of "Dance in the Museum" was quite simple: why are dance and choreography increasingly present in museums around the world? A significant portion of my research process unfolded through years of informal academic investigation, artistic practices, and wanderings—after all, this object of study emerged through a personal sensitivity that dates back to 2011, when many prominent choreographers began performing in major museums worldwide. It was also nurtured by many other wanderings, encounters, projects, and coincidences that kept the object alive and full of questions.
In Middelburg (2016), my encounter with Simone Forti happened "by chance." While walking through the central square of the small town in southern Netherlands (Zeeland), I noticed an A4 flyer announcing: “Simone Forti – Illuminations, today!” I had stumbled upon a major event that directly engaged the subject of my research. The contemporary art center Vleeshal was hosting a solo exhibition of the artist, choreographer, and dancer. Forti’s legendary series Dance Constructions was being interpreted by a young group of dancers in the Vleeshal Market, a Gothic building and former city hall. Inside that vaulted and stained-glass-lit space, I witnessed the reenactment of Illuminations (1971–present) — a result of Forti’s long collaboration with minimalist composer Charlemagne Palestine. The performance moved me profoundly, especially when Forti, then 80 years old, traced figure-eights on the ground with her movements, imprinting infinity symbols into the space through the gestures of her hands. An aging body dancing, embodying its own vital quality—her hands trembled from Parkinson’s, yet ceased trembling once movement began. Her body filled the space with intentions, thoughts, cognitive processes, and perceptions whose poetics were grounded in a series of drawings made up of seven circles containing Arabic numerals, which served as a score for the performance.
The main goal of this research was to carry out an experimental intervention with dance and choreography at the Museum of Contemporary Art, within the scope of the “Dance in the Museum” movement, which revisits body-centered artistic practices and the legacy of the avant-gardes in the museum context. The first experience with the pilot project took place in December 2019. The concept and curation of the project were developed by me.
DANÇA NO MAC is a pilot project that explores the aesthetic movement of dance and choreography being exhibited to the public in major museums around the world over the past decade (in the United States, France, Germany, Spain, England, Brazil, among others). The project engages in dialogue with some of these transnational contexts—both artistic and academic—regarding this subject. It addresses the exhibition of dance and choreography not as an event (a performance), but as a medium, an object, a substance—in short, as a work of art on display in the museum.
With the pilot project DANÇA NO MAC, I propose to activate research projects in the fields of choreography, dance, and performance at the Museum of Contemporary Art of the University of São Paulo (MAC-USP). I am the creator and curator of the first edition, DANÇA NO MAC 1#.
Contemporary dance and choreography are understood today as autonomous artistic languages that, within the context of major museums (in the US, France, Spain, England, Brazil, among others), are currently gaining recognition as contemporary art forms. My aim is to bring this phenomenon closer to MAC-USP.
Over the past ten years, there has been a significant presence of dance performances and choreography exhibitions in important museums around the world. Examples include: Centre Georges Pompidou (Paris), MoMA PS1 (New York), ICA Boston (Boston), Tate Modern (London), Hayward Gallery (London), Whitney Museum (New York), and Museu de Arte do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro), among others. The current discussion about dance in the museum is being developed by theorists from the fields of dance, choreography, performance, time-based arts, and art history, such as André Lepecki (Brazil), Boris Charmatz (France), Xavier Le Roy (France), Bojana Cvejic (Serbia), Marcella Lista (France), and Claire Bishop (UK), among others.
Dance in the museum redefines the notion of visuality in the field of visual arts, offering MAC-USP visitors new experiences through a museum open to non-pictorial and non-sculptural proposals—those that bring elements of time, space, and movement. In turn, the museum enables dance to imagine a public space that potentially allows for new formats of exhibition, preservation of artworks, and the production and sharing of knowledge about the dancing body and choreographic research.
The dialogue between dance, choreography, and the museum becomes a space where the expansion of these languages can be achieved through shifts in practices and meanings. These projects represent a reinvestment in the museum as an experimental space.









Fotografias Sandro Miano, Kiko Ferrite e André Cañada